segunda-feira, 5 de julho de 2010
A VENDA DO RUFINO
pintura/Bruno Di Maio
(MEMORIAIS DE SOFIA(Zocha)
Ah, como esquecer o armazém de secos e molhados daquele português na Vila Lindóia depois de lá, do trilho do trem...Abençoado homem que vendia fiado e confiava nas tranças de minha mãe!
Parece que ainda lembro da misturança de cheiros daquela venda entupida de coisas.Como esquecer aquela misturança de tantas coisas apetitosas que faziam meus olhos esbugalhar se até hoje tenho vontade de comer aquelas balas de gomas, aqueles queijos, aquelas lingüiças, tomar daquele capilé...
Ah, como tinha queijos,havia muitos queijos espalhados pelo balcão,fatiados, dependurados, amarrados,sardelas nas latonas salgadas, pipocas baratas, grandes queijos lunares, solares, redondos,apetitosos, amarelados, curtidos,langorosos, amarrados...tinha salsichões baratos dependurados, também,pertinho dos salames cheirosos,ajeitados às pesadas mantas de toucinhos defumadas...muito cheiro misturado de comida e armarinhos,pinduricalhos, copos que se fechavam e se abriam,aquele balcão era tão alto....mas eu esticava os pés e via!
-Balas de goma, rolos de fumo, venenos de ratos,venenos contra baratas, chicletes de bola, bolinhas de búrico, gasosa de framboesa Cini, de limão, de abacaxi, gengibirra, chicletes adams de caixinha...chapéus, de palha, de feltro, parecidos com os do meu pai, ervas de chimarrão ...cuias, bombas iguais as dele...tantos caixotes de lavraturas dessas folhas de partilha, com quem?
Ora,caixas e caixas de sabão amazonas, banha de porco e gorducha vegetal, que a gente passava no pão com açúcar ou com sal...Ah sim, haviam muitas latas de banha
e cera canário... sapoléo radium e soda,também aqueles vidros deitados,gorduchos, atarracados,com
a boca sempre virada pra dentro do balcão,recheados de doces de "nariz sujo",aquele enrolado de creme amarelo e as queijadinhas...
E, aquelas balas de ovos, amarelinhas,incríveis balas de misturas com côco que a gente esquecia sempre e chupava nos lugares mais loucos!.Pirulitos então? Melecados e a granel,chupetas,com gosto de melado,
ficavam perto das geadas e das nuvens dos algodões doces dos infernos e do céus e das marias-moles envoltas em côco queimado, aos montões nos vidros bem guardados próximos das paçoquinhas de amedoim torrado.
Mas o que eu gostava mesmo da venda de seu Ruffino eram aqueles novelos de lã baratos,de todas as cores, que a mãe comprava na conta e eu fazia os pullovers dos irmãos que Maria, irmã de dona Edília e que morava numa casinha cheirosa na beira da linha do trem me ensinava.
- Ah mãe corajosa!...que quando as panelas ficavam vazias lá ia ela na venda do Ruffino
e mesmo não sabendo assinar direito o nome,ele a comida fiada a conta lhe fiava o preito.
E depois sempre silenciosa com sua matemática de cabeça,eis que não sabia ler nem escrever ,ela preparava um talharim bem regado ao molho de tomates,com maionese de ovos de galinha vermelha e batatas e frango refogado com cheiro verde manjerona e levava o prato bem embrulhado, quentinho,em cheirosos panos de algodão alvejado,pra velha dona Conceição ,encravada no leito, no fundo
de um quarto fétido que morava lá nas mesmas bandas da Vila Lindóia e que ela ajudava!
-Psiuu! quieta menina!Segura direito essa sacola!!! Me varava firme nos olhos!...
Lilian Reinhardt
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