segunda-feira, 5 de julho de 2010
O GUARDA COMIDA
pintura/Jacek Yerka
Memoriais de Sofia (Zocha)))
É isso mesmo. Ele era apenas um guarda comida que foi encomendado pela mãe para seu Manézinho carpinteiro e de repente ele chegou nos mirando, levantando nos braços aquela soturna casa da praça de Araruna.
A cozinha escura, sem pintura, a casa inteira de madeira era sem pintura, meu Deus como era escura e vazia aquela casa, precisava urgente de um guarda comida, porque lá havia muitas baratas e as lagartixas xispavam pelas paredes e a mãe só tinha prateleiras abertas para guardar as louças e as coisas.
Como ele era grande...imenso...se fosse medido...era do tamanho do mundo. E o mundo afinal, que tamanho tem mesmo? A mãe sabia da medida do mundo, tinha sempre uma fita métrica na sua máquina de costura Usquarna, mas, não andava com a fita no pescoço igual o polaco alfaiate Retka, pai de Irentcha. A mãe media tudo com aquela fita métrica e costurava as nossas roupas e fazia os lençóis das nossas camas de algodão e cretone que comprava
e comprava fitas para amarrar meus cabelos na casa de comércio do seu Antonio da esquina da praça onde até comprou até meus sapatos brancos, para o desfile do grupo escolar.Aquela era também uma imensa casa de comércio, me lembro muito das botinas, dos chapéus...do cheiro daquela casa de comércio. Tinha um cheiro perfumado, um cheiro que nunca vi em frasco de perfume algum. Onde será que se acha daquele cheiro? Será que existe ainda daquele perfume?
Mas, finalmente o armário encomendado chegara e estranhamente ocupava todos os espaços não só da cozinha mas de toda aquela nossa casa imensa e vazia. Era imenso como um trambolhão, emendava com o azul do céu, porque era pintado de azul também, um armário gigante, seu manezinho carpinteiro trouxe ele bruto daquele jeito. Não sei até hoje por que não cepilhou a madeira e ele veio com as felpas e tudo, mas, era diferente, ele era pintado de azul claro, e iluminava aquela cozinha escura. Tinha ganchos pra dependurar as xícaras, as canecas de alumínio e esmaltadas, a chaleirinha esmaltada de chimarão do pai sempre ausente, e pequena tramelas seguravam as portas....ele guardava tudo...tudo...xícaras, panelas de ferro, espumadeiras, a máquina de moer café, aqueles pacotes de trigo, guardava a casa inteira até quando despensa ficava vazia, mas, lá tinha uma máquina de torrar café com aquela bola perigosa que girava o mundo e era o lugar onde ficava a irmã menor sentada sobre um cacho de bananas, colhido do quintal comendo.Como era belo aquele guarda comida azul feito a machado,... pesado, monolítico, guardador dos pratos, das panelas... Estranho, de repente ele levantava a nossa casa com seu vazio nos braços. Aquelas portas pesadas, rústicas nos guardavam. A nossa casa era muito insegura com aquelas venezianas escuras, aqueles vidros embaçados, aquela sala imensa que a mãe mandara abrir a parede para clarear porque as janelas eram muito pequenas. Mas aquele armário forte, com suas portas davam para um estranho lugar...e a noite ele as abria e com a mãe nós saíamos pelos cafezais de Araruna, onde a lua seria guia durante uma viagem de fuga que o destino marcaria e não tardaria por nos esperar...
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