quarta-feira, 7 de julho de 2010

FLORAÇÃO


pintura/Guilherme Matter



(Carroção do Tempo (dos polacos)))




...ele vem de longe!
De muito longe ele vem ...

Outra floração e a fumaça de Maria cruza o céu a incensar os roseirais. A linha do trem passa no encruzo adiante da estrada da vírgula, onde a sintaxe já reescava mais fundo as metáforas do agora.

Os caixotes de pinho estão guarnecidos de cebolas, abóboras, pepinos, espinhos além do tempo espigados. As espigas selecionadas, as flores dos tomateiros recém-colhidos, dos repolhos...e o carroção abastecido toma o rumo do estrada. A poeira úmida levanta sua cortina no estradão.....as flores do agora esmaecem, é preciso apodrecer, é necessário refundar os próprios ossos...


Tombam as pinhas e esparramam-se pelo chão...são sementes que guardam segredos dos olhos maduros do grão. Zocha abraça a aspereza do tronco dessa araucária altiva, levanta as asas do olhar sob a morada de seu ninho onde se guarda a concavidade das suas mãos...mira a distancia do chão à altura dessa impertinente semente que se ergue do chão, e permanece ereta enquanto os mares singram os céus com suas nuvens e as tempestades esvoaçam e arrebentam os outeiros...
Ei-la incólume, desgalhando-se...e quando o raio a derruba a chuva rega a semente e nela pousa uma ave negra e azul que a esparramará pelos lugares mais inóspitos.

Ao longe um remoinho de poeira em espessa trama de fios rebrilha sob o lusco fusco do tecido do entardecer. Uma dança asterisca sob o olho d’água um chiado, é preciso deitar o ouvido sob o rastro quente do próprio corpo e ouvir junto as coisas existirem.

Ele acabou de passar por aqui. Um pouso sobre a pedra, asas em flancos e a ressonância ganha altitudes.Agora ele é pássaro pousado no horizonte. O zumbido da montanha, a corredeira bebericando o crepúsculo, o fio do horizonte balouçando doirada flama. Na estrada a linha dos rastros serpenteia e quebra as encostas, os flancos dos desvãos, os passos fundos dos roldões escrevem sobre o barro quente das encostas.

Entre curvas serpenteiam os sulcos, pontos que se abrem e se fecham em sístoles e diástoles do prumo que vai se estirando como uma corda a sonorizar-lhe as passadas.

Cada enlace um tom, infinitos acordes, queda a linha sobre o abismo fundo das travessias, ele vem de longe, de muito longe, sob o toldo a colheita e as sementes da ultima safra e desta assim, sucessivamente, carrega as sementes das ancestralidades aconchegadas nos balaios de cebolas, de abóbodas, das naves, aves de espigas, o grão armazenador da energia da criação e ele ao longe ele singra ora célere, ora em passo lento, margeando os córregos. Atravessa o serpenteio do vale da morte, enquanto a sombra escreve seus diagramas, sobe e desce a trilha, entre os flancos ....senta-se à mesa do tempo, come do pão repartido, adormece sob a quentura dos seios, singra o vale com o tambor das medidas cheias, que é milagre se nascer do estrume, acontecer na luz e ajoelhar-se em prece sob a tumba da própria floração...

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