segunda-feira, 5 de julho de 2010

REVERBERAS





Carroção do Tempo (dos polacos)


Quando a tarde cai e as cortinas decem,
pelos deuses, ainda ouço a voz nostálgica
daquele auto falante sonolento,
da sociedade Guaíra anunciando
a chegada e o começo do fim do mundo,
a festa de domingo, a geada de segunda,
a missa bizantina!
A rua Alagoas levanta a poeira cascalhada,
dona Emilia acaba de batizar o recem-nascido,
e agora está comadre de minha mãe,
mas, quando cai a tarde também cai a vida,
e Odete sua filha moça,
de pernas branquelas e grossas,
com sua bicicleta azul chegará
da fábrica da linhagem,
onde é operária.
Todos os dias leva marmita
no bagageiro da bicicleta
e à noite já pode experimentar
os mistérios do amor...
Paulinho, seu irmão,
espreita-me quando passo,
finjo que não o vejo, não quero saber dele,
oculta-se sempre sob a pérgula de heras e musgos
daquele macabro portão de madeira,
parece uma estátua mórbida
numa cripta medieval,
com suas imensas orelhas de abano,
ouvindo a acústica do mundo!
Não entenderei nunca o destino de Odete,
não entenderei nunca o destino de Paulinho.
Odete se casará de véu e grinalda,
Paulinho será ceifado aos vinte um anos...
sua mãe se guardará na loucura,
continuará morando no mesmo lugar,
e eu mudarei de endereço para pegar o ônibus
e ir ao colégio das freiras...
O muro de Berlim continuará erguido,
e mesmo depois de caído ainda assim
não entenderei o destino...
e na Faculdade de Direito,
voce me beijará com seu sorriso
nas escadarias, na praça Santos Andrade,
enquanto o morno sol de inverno
derreterá a geada,
por entre as araucárias...

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Lilian Reinhardt

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