domingo, 28 de novembro de 2010

Enquanto as rosas cresciam (1)







(Os Roseirais de Zavadwski/Carroção do Tempo dos Polacos)



Ela sentou-se à beira da cama. Da outra cama do outro lado do tempo ele a acompanhava com o olhar. Puxou o lençol e o cobertor até o nariz e só os olhos serpenteavam a figura delicada dela.Aquele era o quarto de um sanatório e o olhar dele afundava cada vez mais. A moçoila cheia de vida rescendia perfume e tinha as bochechas rosadas, não sabia ainda que os sonhos adoeciam e também caminhavam para o crepúsculo. Aqueles corredores imensos do pé direito alto, as freiras de branco confundiam-se com as estatuas que emergiam pelos angulos fechados dos cantos e os ecos das vozes impregnavam os ouvidos como os sons da acústica da nave de uma catedral.
O jardim entrava pela janela. Há alguns dias ele havia sentado com elas naquele jardim de roseiras e abençoado as suas crianças agora já adultas. O quanto era difícil ali permanecer, agora só conversando consigo mesmo, mas, havia já se convertido do aparente ateísmo e se tornara amigo do padre e até comungara. As pombas rorejavam sobre os telhados e as borboletas bruxuleavam as conversas. O céu manchado de azul anotava a cena. Enquanto as rosas cresciam silenciosas ele definhava a cada dia . Uma freira de hábito claro varria as folhas da calçada sob os beirais e uma cálida brisa ainda acendia os seus olhos ....

sábado, 27 de novembro de 2010

Aquela Hora do Ângelus


imagem/Milton Dacosta
gravura s/papel
Museu de História e Artes do Rio de Janeiro/Brasil


Memoriaisde Sofia/Zocha
(Carroção do Tempo dos Polacos)


Talvez o menino Quinzinho já tenha chegado em casa, ele sai às cinco horas do grupo escolar Salesiano, na rua Paraíba e a escola não fica mais que dois quilômetros de sua casa na rua Goiás, entretanto, tem a distancia dos hemisférios dos pólos norte e sul pois quase sempre ele não consegue vencer esse trajeto em curto tempo e sempre perde a hora do Ângelus. Então, quando chega em casa de volta da escola já repicaram os sinos da Igreja São Cristóvão e o padre Santo já rezou a prece da Virgem pelo auto-falante da igreja que Zéfiro esparramou por toda a vila. Assim, quando ele atrasa é porque vagueia perdido pelos labirintos dos bueiros pelo caminho, disputando longas partidas de bolas de búrico e as vezes perdendo todas e depois vem rodeando camuflado entre as toiceras que serpenteiam a cerca de ripas, morrendo de medo, agachando-se, mirando para ver se a fera mãe está próxima, articulando o golpe a qualquer investida de supresa dela, pois então tudo valerá para a auto-defesa, é só pular dentro das valetas, ou dar um arranque rápido e ela só verá de longe aquela terrível franja Curimim ou o reconhecerá pelo reflexo de sua cabeça pelada com cabelo cortado como ninho de rato ou o reconhecerá pela a cor do pulôver de tricot azul, se estiver muito frio, porque a esta altura, o guarda-pó que era amarrado atrás, já virou âncora perdida
nessa tempestade. Entretanto, valham-me os anjos quando o portão abrir-se, aí dele, atrás virão ecos das varas de pessegueiro e o alarde da sirine pela vila inteira ecoará. Ocorre que talvez a mãe não saiba que quando ele vem de trem da escola ele é o maquinista e os maquinistas devem ser prudentes sobre os trilhos porque engolem ciclones e apitam por todos os cruzamentos, desviando bueiros, passando pinguelas, contornando vales de terrenos baldios, ouvindo gritos de desespero, janelas se fechando e abrindo, recolhendo transeuntes pelas humildes estações, levando outros de suas estações até em casa, desviando bêbados deitados à frente do boteco da polaca Vanda, do boteco do Nico que cheira álcool na quadra inteira porque desde estação da escola o trem fará parada por inúmeras estações, contornará a imagem gigante do padre Santo, do padre Vitório, receberá as bençãos de Dom Bosco e São Domingos Sávio, mas, quando ele chegar mais cedo e não atrasar é porque virá de balão correndo atrás dasborboletas, jogando com aquelas pedras no ar e saltando pelas valetas para apanhá-los e então o tempo se encurtará e os sonhos também. Mas, ontem o trem chegou pouco antes e fez parada obrigatória na estação da esquina da rua Goiás na morada de madeira, meia água comprida como um vagão do seu Efigênio crente e da ucraína dona Ludaz -que faz pães gratinados com gemas- e exatamente quando os sinos repicaram e iniciou-se a prece do Ângelus, pode-se ver o velho operário saindo, como saía todos os dias àquela mesma hora com sua bicicleta preta, levando no bagageiro a bíblia sagrada e a marmita de alumínio rumo à fábrica no bairro do Portão, onde era vigia noturno e o menino Quinzinho não atrasara...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A BICA DO TAMANDUÁ



(Memoriais de Sofia/Zocha)


O misterioso caminho da água turva ficava há alguns metros da garganta da bica do Tamanduá no próprio instante do pensar.
Era um desfiladeiro escorregadio onde dançavam as corujas e os caniços gritavam à beira da água onde ele costumava ficar. Nesse lugar havia um mistério, uma nesga de luz que aparecia no meio da noite quando bem escuridão nua-lua e desturvava-se a água que caia na garganta da bica por algum milésimo de segundo. Era nesse lugar que aparecia um estranho santo chamado São Judas Ateu, um santo que carregava um grande saco de vazios às costas e não conseguia descer nem subir o desfiladeiro . Ele só escorregava sobre o nada e nadava...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

DE UMA COR INEXISTENTE (*)






(Memoriais de Sofia/Zocha)


O telefone toca. É para sair correndo. Alguém grita seu nome desesperadamente. Uma cortada
no mapa da cidade, a Delegacia é do outro lado, na planimetria sem saída. – Onde está ele? pergunto. Sigo o guia. Áspero, seco, duro, gelo! Subimos escadas descemos escadas. Um cheiro fétido, ruídos de algemas, ferro_olhos fechando-se. Aqui não há elevadores com infusão de olores.Não posso entrar na cela, mas, de um pequeno retângulo, com as mãos agarradas nas grades, surge o rosto dele. É um príncipe negro que há mais de dezenove anos se droga tentando esconder seu delírio de vida por falta de anéis.. Ele não tem anéis e ela gosta de anéis e ele só tem só marcas de anéis de ferro nas costas das chibatas desse tronco. A voz funda, rouca, condenada suplica – Por favor, tire-me daqui! – De repente, sob as frestas do gradil, um reflexo de uma cor inexistente reflete e projeta-se similarmente de uma torre ao longe sob a vidraça, entre cortinas guardando as sombras de suas pedras no espectro ... – Como são parecentes e inexistentes as cores das mãos quando agarradas às mesmas grades aneladas...


(*) cores complementare/prof.Israel Pedrosa

http://www.lilianreinhardt.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=2609868

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

OS QUEIJOS DO PADRE SANTO






(Memoriais de Sofia/Zocha)


Tudo acontece muito rápido de repente, um sopro, um grito, um mapa semovente, as linhas se mexem, as casas se contorcem e o papel o vento levanta vôo. Para onde levará aquele mapa com a igreja de madeira de São Cristóvão, os seus balanços, gangorras e a casa paroquial sempre de portas abertas por onde se divisava a cozinha que dona Júlia cuidava zelozamente e aqueles enormes queijos que pareciam grandes hóstias sobre a mesa? Ah, eu ainda sofro dessas incertezas quando tremula esse mapa.-Será que eu quando comungava não via queijos do padre Santo, no lugar de hóstias? Que sacrilégio maior para com o mistério da comunhão por isso nasci excomungada mesma da capela da minha devoção...sempre quando acredito num santo ele cai do altar na minha cabeça e trai até mesmo o delírio da minha sombra...

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