domingo, 19 de setembro de 2010

Tempo dos Jarros







Memoriais de Sofia/Zocha
(os roseirais de Zavadwski)



A poeira cinge o ar e evapora e por onde ele passou os sulcos profundos impregnam o chão entre as araucárias. Ao longe a figura alta, esguia, o sobretudo escuro, os passos compassados, largos, ei-lo chegando sempre pontual para as aulas de latim. Seus olhos de intenso verde escuro fitam e filtram perscrutadoramente tudo ao seu redor. Seus olhos se abrem em leque e flamejam. Há um solene murmurejar de águas puras que cai daquelas quedas d’água, ele sabe o sentido dos ventos e dirige a embarcação com ternura, conhece a lírica dos mastros e sabe da prenhez dos delírios daquelas moçoilas ávidas, botões frescos naquele jarro de vidro, onde a roupagem das folhas sob os caules confundiam-se e a água desnuda deixava entrever seus corpos translúcidos, de translúcidas sílabas que rebrilhavam aos olhos na lousa úmida do poema. Sobre a sua escrivaninha simples rescende aquele maço singelo de botões que trouxe de seu roseiral, uns abrem-se, outros pendem, apóiam-se uns sobre os outros, se compactam, bebem da mesma luz, guardam-se das sombras, a luz num esbate, noutro trafega de raspão, os olhares se ocultam, vicejam, rastreiam-se...os botões se abrem e se fecham, ele cuida para que nenhum pereça antes de abrir-se...
É o tempo daquele jarro sobre a mesa, é tempo de degustar daqueles aromas, de ouvir a força das sementes além do cinzel, na acústica dos grãos esfolfando cada botão, cada destino, ele sabe, lhe foi dado a guarda do tempo daqueles jarros, de suas podas, dos cuidos de cada um, versos vivos naquele quintal e ele era apenas um jardineiro, um emigrante, um estrangeiro e muitas eram as línguas que se falavam naquela aldeia, mas, parecia que só ele era quem falava e entendia dos sons grãos do alfabeto e da escrita da linguagem dela...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

DOS GRÃOS DO ALFABETO





(Memoriais de Sofia/Zocha)




Vejo-a agachada afofando a terra. O regador ao lado, o balde, o esterco bem misturado. Vejo-a regando todas as tardes, incansáveis canteiros naqueles quintais. Vejo as sílabas apontarem do chão, sob o retângulo dos canteiros e milhares de mudinhas verdinhas buscarem a quentura do sol. Vejo-a transladando as mudas, acompanho os versos comporem-se e o mistério acontecer à mesa de tábuas escovada a pedra. Miro aquela santa ceia dependurada na tosca parede que ainda não sabia quem a pintara e também ela não sabia mas, sei que ao centro existe um ponto magnético donde emana o calor e que ele pode estar à mesa do amor agora quando ela cortar o pão quente que acabou de desenfornar. Espelho-me no chão lustrado, o vassourão corre como uma gangorra caleidoscópica e meus olhos correm juntos, inesquecível aquele solo de ternura que me aquece e que guardam os grãos da palavra. Verso a verso estiro o verbo que cai em contas das gotas dos meus olhos e borra minha ternura, lembro daquela janela imensa do meu quarto, que se abria às sementes que agora brilhavam no céu e esses pontos me reescavam os grãos do alfabeto da vida, que ela conhecia e semeava sem saber ler, naquele livro manuscrito de sementes e que meu olhos respingam do tinteiro e borram as minhas páginas e preciso de mata-borrão...


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http://recantodasletras.uol.com.br/prosapoetica/2502090