quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Lírica de Uma Ceia

pintura/Lilianreinhardt







A vida surpreende a cada instante único. Apreender a cada passo sugere estar disponível para viver. Disponível como se dispõe os frutos na seara para a colheita, disponível para indagar dos mistérios dos grãos no silencio da terra quente sob os pés, sentir essa quietude inquieta na alma, mesmo quando a arrebentação da insolitude quebra as cordas sonoras dos sonhos, mesmo quando o mundo prega a desilusão, o fastio do eu te amo por mis-en-scène, sentir a beleza mesmo quando as formas se dissolvem e tudo fica vazio, neblinando para renascer, eis que rodopia ainda a dança da libélula, a coreografia das abelhas sugando o pólen, a lágrima salgando a vida caindo do oceano da alma...acreditar na ação, que se faz verbo da verdade da alma , eis a busca além das palavras perdidas, que revoam pelas cidades flageladas de hoje que não mais conhecem de partilhas ou ceias... não há mais tempo para sentir o próprio mistério!

Norma Segades Manias

Pido perdón a Lilian por mi "versión libre" de su texto.
La vida nos sorprende con sus instantes únicos. Aferrarse a cada paso sugiere estar dispuesta a vivir. Disponible como los frutos cosecha tras cosecha, disponible para indagar los misterios de los granos en el silencio de la tierra, sentir este silencio incómodo en el alma, aun cuando el oleaje de la soledad quebrante las cadenas sonoras de los sueños, incluso cuando el mundo predica la desilusión, el fastidio donde el amor sucede por error de la puesta en escena. Apreciar la belleza aun cuando las formas se disuelven y todo está vacío en la neblina del renacimiento. He aquí que en remolinos continúa bailando la libélula, en la coreografía de la abeja succionando su polen. Y el llanto va surgiendo hacia la vida cayendo en el océano del alma… Y descree de acciones hechas verbo, de búsquedas constantes más allá de palabras extraviadas sobrevolando urbes plagadas de presente, donde no se conoce más que comida rápida… y ya no queda tiempo para hallar el misterio!

(da Revista Gaceta Literária Virtual)

Muito obrigada! Honrada Norma com sua versão do texto para o espanhol.



http://lilianreinhardt.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=3357067

http://muraldosescritores.ning.com/profiles/blogs/l-rica-de-uma-ceia

Lilian Reinhardt






quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Casa das Gabirobas


pintura/Lilian Reinhardt


(Memoriais de Sofia Zocha)



Quem diria que aquela casa de fantasmas cheirava a carambolas, maracujás, ninhos de gabirobas , de beija-flores nos tufos escuros das paredes desnudas? Talvez fosse melhor dobrar a esquina e seguir pela outra rua. Que loucura era aquela que enredava para cheirar aquela casa de fantasmas? Os pés afundavam no areião, lavavam -se os dedos, um lava pés quente e morno, lambendo as asas dos lábios úmidos, limeiras pelos caminhos traziam os revoos dos sabiás, arrulhos de trigais sem corvos, Araruna era apenas uma aldeia perdida num mapa geológico onde os marimbondos faziam suas cachopas nas pálpebras das janelas em qualquer hora do dia. E que importava se o sol escaldante curtia as tuias, os terreiros, e as bateias com aqueles grãos avermelhados, adocicados dos cafezais perdidos das terras roxas do norte do Paraná, Zocha desamarrava o lenço sob o chapéu de palha, caminhavam para ver uma casa alaranjada de janelas vermelhas. Ali poderia acontecer o ninho esperado, fora prometido. No trajeto a zoeira do cheiro dos fantasmas e a casa fantasmagórica caminhante, se deslocava e vinha ao encontro deles, sem pintura, bordada de maracujás assustando com seu cheiro estranho. Como fugir daquela linha magnética? A cidade quebrava-se, esticava-se, Norte e sul se confundiam, a rua larga do hotel do Comércio se estreitava. Ali não havia ninguém, só o zumbido dos marimbondos, das abelhas, e uma melodia estranha que cheirava perfume de flores silvestres e fétido estrume . E as sombras projetavam-se oblíquas e pareciam formatar imagens nunca vistas, rumores nunca ouvidos. O ônibus ladeava em curva a montanha e lá distanciava-se a casa do olhar enviesado, cúpido e míope, afogada no seu próprio delírio...na rodoviária como no café da manhã sempre amanhecia sem nunca amanhecer, saltavam de seus olhos as gabirobas de asas de pássaros da terra, a primavera incendiava as colméias das sementeiras...

domingo, 11 de setembro de 2011

ONDE DORMEM AS SOMBRAS NA PALETA?


estudo/pp4
desenho/Lilianreinhardt

Memoriais de Sofia Zocha




A cada pincelada o golpe e a carícia, quando não é uma é outra, a mancha a desguiar e desvelar os olhos da prancha. Ele dançou freneticamente sobre a prancha e seus fractais rendilharam-lhe de espinhos as rosas dos pés enquanto pintava a vida vazia.
Zocha sentada no vestíbulo da velha casa mirava as linhas perdidas das paredes do casarão, o casarão a olhava. Ela jogava algumas manchas na tela, um vozeiro estranho ecoava. Um remoinho de ventos e ao longe na estrada que levava a alma, de um insólito viajante chegava o eco de um solitário canto. Ele parara na estrada, amarrara o cavalo no vento....Eraperegrino de longa travessia, mas, ciscaca as várzeas da alma até as estrelas. E entre a palha das horas o fogo ao longe retumbava o horizonte aceso. Mas, ele era morador do outro lado da ilha e tinha parreirais e vindimas imperecíveis. Ela estava muito longe dele quando ele passou. Ele apenas ouviu seu canto enquanto o pássaro de fogo continuava dançando sobre a tela, tecendo movimentos e respingos e a nudez das próprias ilusões. Dançava nu sobre a pintura, talvez copulasse com ela e ela lhe sugasse as marcas sudoríficas das camadas geológicas de sua nudez. Numa dança ancestral, abria-os braços...Lá vinha ela como uma montanha galopante e distante do cerúleo horizonte e dissolvia-o quando pintava no escuro de seus pântanos..As solidões não se comunicam, nem as indiferenças que esmerilham crueldades.Ela morde a própria maçã ,procura no mapa onde na cidade dos mortos poderá ser encontrado uma plantação de maçãs, elas lhe figurarão a representação das sombras ocultas onde dormem na paleta, é preciso prestar atenção na natureza, no vitral suas perspectivas defletem sobre o lago assustado...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Que estação era aquela...


imagem/estudo/desenho 7aa
Lilianreinhardt



(Memoriais de Sofia/Zocha)


Na brancura da tela os tons da invisibilidade da anatomia daquele rosto austero a contemplava. Fora da moldura aquela pequena varanda recoberta de cheiros de cio das rosinhas, heras circunavegavam o remoinho da dança das abelhas. A sombra liquefeita de um corpo tremeluzia no poço de boca larga lá na esquina do tempo remoído guardado na gaveta. Varandas e poços, que interstício de simulacros sob o olhar longínquo daquela casa. Ambos então puseram-se a conversar, um diálogo de ritmos que iam e vinham. O vento revoava ....Que estação era aquela? Olhou em derredor e o verde salpicava das árvores desmanchando-se pelas sombras do chão em escrutínios de complementares em múltiplos tons avermelhados, violetados...Como ainda permanecera incólume entre as arquiteturas modernas que se erguiam a seu lado? Ela argüia para si muitas perguntas, sem respostas. Aquela alameda havia se desconfigurado desde o inicio, de antiga viela lentamente as construções cediam aos especuladores e aos empreendimentos imobiliários. Imensos edifícios de concreto emergiam ao espaço, e ela ali permanecera resguardada...
Faria alguns traços em carvão buscando um rápido esboço ...mas, a continua inquietação da tela levitava o esboço. Uma imensa clareira e repentinamente ela não mais se encontrava ali....

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Deslanados e Ovelhados



imagem/estudo/pintura///E
Lilianreinhardt
Memoriais de Sofia/Zocha)


Do seu jardim olores de madressilva tremulavam sob os raios tenros de luz que salpicavam das musgosas heras. Cheiro de café expresso, ela corria o olhar na brancura da geada bordada pelo caminho, enquanto caminhava soltando baforadas de ar quente , era preciso desviar dos reflexos dos olhos brilhantes dele, com aquele ponto magnético de bússola e rosa dos ventos, havia algo de anéis de Saturno em suas asas, múltiplos asteróides em derredor dele, algo acústico no timbre de sua voz rouca, e aquela sombra indo e vindo naquela rua... Ela indo, ele vindo,.. elástico o tempo os colocava frente a frente. Caminhava eufórica, com um laçarote escarlate na blusa púrpura de babados, boné vermelho de caloura e ele tosado, deslanado, apesar do frio, ambos ovelhavam de desejo, um dentro dos olhos do outro, pelo calçadão escorregadio que bordava aquele prédio de pórtico grego, onde habitam os mesmos sonhos...
Mas a cidade se arrastava incendiada de néons,com a enfermaria lotada de cadáveres bêbados. Todos dormiam de olhos abertos.Ela fixou com algumas hachuras de carvão sobre a tela enquanto a bombordo embarcavam as borraduras.Ela pintaria vários esboços daquele motivo, cada um rasgando, os olhos lacrimando, o veneno subindo na garganta.Uma pintura pode não ser uma pintura e palavras não são só palavras. O sineiro sabe das coisas quando puxa as cordas do sino, ele sabe que o povo é quem chama a missa, e o boi não esquece do olho do vaqueiro que o marcou, Íbis morre quando fora do Egito, dizia Kant,enquanto o cuco anunciava a mesma hora do seu passeio, todas as tardes,,,A tela branca e a camisola de núpcias procurada como uma agulha no palheiro para a grande noite boreal podem ser verossímeis. Em ambas ficam coladas as marcas do vitral e suas perspectivas,,,,,

terça-feira, 21 de junho de 2011

Quando a aldeia mudou de lugar


Gravura/Poty Lazzarotto




(Memoriais de Sofia/Zocha)




Quando a aldeia mudou de lugar ela chorou.
Havia deixado lá os rastros e as sementeiras dos pés, havia escrito trovas pelas cercanias dos ventos e levantado voos. Voava com as rochas, voava com os rios, voava companheira das árvores, era um quintal voador e das sementes choviam plátanos e trigais sobre os cabelos da menina Zocha. Mas os olhos da aldeia escureceram, debandearam, os ossos não se fixaram mais nas covas, havia frieza , arrepios e morcegos se passando por andorinhas. A aldeia pegava fogo de repente e os céus escurecidos recobriam-se de fumaça negra do luto. Nos cemitérios brotavam agora pomares com frutos secos , ela havia se despido para ele e colhido rosas de areia, agora os sinais haviam sido trocados, porteiras fechadas, os mata-burros permaneceriam só nas fotografias.A aldeia criança agora menstruava, os seios apontavam como as laranjas-meninas e as flores de pessegueiros cobiçavam o canto dos bem-te-vis. O primeiro olhar ficara depedurado na cerca de ripas, o vento envelhecera, trocara de alforge e saíra a perseguir os caminhantes, desnudando até o velho tocador de pífaro, que vivia encantado com as cartas de seu realejo. Zocha secou os olhos e continuou a ler as lições de Ulpiano no livro de capa dura de direito romano. Era agora uma outra mulher. Os homens faziam leis para cumpri-las, mas, não as obedeciam, e então criavam as penas, os presídios, os exílios para se auto-castigarem. A perda das ilusões também leva a um auto-flagelo que conduzia à prisão da realidade, um exílio atormentado onde as ex-crianças se auto-punem, a consciência chora as fissuras perdidas. Zocha era agora uma flagelada composição matérica fragmentada, os urubus esperavam seus escaninhos, doloroso era ouvir a voz do vento rouca e ofegante a lamber-lhe ainda os ouvidos moucos, na loucura dos sinais das sílabas daquela língua morta...

Meia-Volta


pintura/Lilianreinhardt

(Memoriais de Sofia/Zocha)


- Meia-volta, volver!!! Era assim que a gente recebia as ordens na fila para desfilar e aprender a comemorar as datas bentas e Zocha caminhando nas ruelas da Vila Guaíra acabava sempre por retornar para espiar mais de perto aquele caramanchão de jasmins plantados por dona Lair ou levava um puchão de orelhas para cumprir com a ordem na fila do Grupo Itacelina Bittencourt.. Que jardim perfumado! Um abelheiro ao longe dançava! Parecia não haver mais buracos nem crateras, nem lobisomens naquela lamacenta rua Goiás que assustassem os cavalos nas carroças que por ali passavam. Se bem que o "Guacho" sempre surgia nas esquinas, com seu capotão negro, aquele saco horrendo nas costas e a rua esvaziava-se. (O menino Quinzinho irmão de Zocha tinha pavor daquele Guacho.) Aquele lobisomen gritava longe, tentava afogar os sinos da Ave-Maria e a tarde morria dolorosa com seu lamento porque seus gritos explodiam os ecos e por onde passava, ele urrava com a própria dor que tentava expulsar de si e do mundo . A cada vaso um sopro! Nos remoinhos os ventos quando mentirosos são sempre apaixonados, estilhaçam com suas varreduras os lugares por onde passam, salpicam de litanias disfarçadas as ruelas silenciosas com seus arremedos mal cozidos, a menina caminhava em frente, seguia rumo à Vila Lindóia, teria que cruzar a linha do trem. Olhava para um lado, olhava para outro lado, a subida da ladeira era cansativa, nenhum apito, nenhum sinal, nenhum corcoveio, o céu limpo, as visagens aquela hora dormiam, o pergaminho de sangue guardava-se sob o hímen...No céu as pipas rodopiavam os olhos, a Vila planava com suas asas, com suas fileiras e teares de casas de madeira, com suas ruas lamacentas e seus pontos de buracos esgarçados, com a venda do Rufino balouçando os seus varais de linguiças com mosquitos e queijos de óstia santa, com suas igrejas Bizantinas de prateadas e douradas cúpulas sinalizando para o pouso das revoadas de crivos da memória, com a imensa igreja romana de madeira do padre Santo com sua nave romanica assentada ao chão como uma pedra, ninguém acreditaria que aquela aldeia levitava...ninguém
acreditaria que a Vila Guaíra tinha pernas, tronco, membros, asas e singrava pelos ares com seus carroções e carroças polacas voadoras sob o frio gelado dos invernos a pairar além dos mirantes das araucárias sobre a velha Curitiba...

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segunda-feira, 9 de maio de 2011

CADERNO LITERÁRIO I NO RECANTO DAS LETRAS COM A POETA E ESCRITORA TANIA ORSI VARGAS


imagem/Alessandra Zimmerman


BREVE INTRODUÇÃO
Tania Orsi Vargas

Há tempos venho falando e pensando sobre este fenômeno da intertextualidade que espontaneamente e às vezes por convites, ocorre nas escrivaninhas aonde poetas confraternizam escrevendo suas trovas ou poemas sobre temas escolhidos. Acabo de publicar um artigo compilado de um caderno lietrário português sobre tal assunto, e pra minha alegria e surpresa, já houve frutos, que a nossa querida poeta Lázara me comunicou ter- se inspirado ao ler os quatro poemas portugueses ali apresentados como ilustração, e escreveu na hora um poema que já publicou agora no dia 10 do corrente. E coincidentemente eu tinha lido seu poema "Chuva" e me inspirado para escrever o meu. Penso que estas experiências são notáveis e muito significativas, e assim deixo este depoimento iniciando esta série que chamei de Cadernos Literários, uma simples forma de tentar formalizar certos encontros espontâneos e dar ênfase ao que de muito positivo ocorre neste nosso Recanto.
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C H U V A S


Lazara Papandrea

ecoam os trovões
não há céu seco
a chuva molha
o céu
a vida
o beco
as rosas

nem as rosas escapam!
[e elas morrem de medo
do vácuo de céu nas
pétalas partidas...],,,,,













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INSTANTÂNEO


Tania Orsi Vargas



...A chuva interrompe nossas andanças de seres soltos

e joga sobre nós recados de águas novas e velhas

recados do Tempo nos temporais repentinos....

Tomados de surpresa, ela nos faz prisioneiros

um tanto atordoados

molha os nossos pés num susto que logo

se transforma em rendição ao inevitável...
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CHUVA DE OUTONO

Iratiense Joel Gomes Teixeira


...E aí numa prece implorou para o sol demorar.
Não queria o encanto quebrado,
de arabescos no chão desenhados.
Dos pés deslizando na massa ,
buscando arco Iris em cores,
portais de novos amores...

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CHUVA INTERNA

Calliope


Quando chega traz um alívio
Por derramar-se
Por desafogar-me

E neste derrame lava
Leva

Mas passados os dias...
Vai embolorando
E vem um cheiro esverdeado
Um cheiro de passado...

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DEIXA QUE A CHUVA LAVE O MEU ROSTO

Lilian Reinhardt

Eu preciso de ti
eu preciso me banhar
naquela poça d\'água pura
que espelha o céu da minha argila
e o pássaro de minha alma nela se banha...
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Click no link abaixo e conheça a interação de poetas do site brasileiro Recanto das Letras

http://recantodasletras.com.br/poesias/2903161

quinta-feira, 28 de abril de 2011

ESSAS SÍLABAS


(Memoriais de Sofia/Zocha)


Vou subindo a rua lamacenta
oss pés afundando sem galochas
meus sapatos tem solado de pneu
No azul marinho da saia
o pano de fundo escuro do céu
Nas asas do tempo
a brancura do revoar das penas
Agora é sopro tênue de moçoila arrebentando
as primeiras gotas do menstruo do amanhecer
Combina com as tranças
elas cinzelam andanças
pela ladeira da Goiás
Bebemos eu dela ela de mim
esse verso não se escreverá mais
A mesma chuva das floradas dos tristes jasmins
dança pelos canteiros de mosquitinhos
Queimam-se palmas bentas
no oratório da cidade morta
No termômetro do tinteiro
ela sopra essas sílabas de dentes de leão
Araucárias guardam no cálice
esta bebida menina de mim



http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/2935342

domingo, 17 de abril de 2011

LUMENS/fragmentos



(Memoriais de Sofia/Zocha)


Um vozeirio aturde os ouvidos. É hora do intervalo da próxima aula. Vejo-o numa redoma só minha. O tempo guardado, seus cabelos dourados, a calça jeans e o paletó de couro marrom, o olhar encravado nos meus. Guardo-te fora da fotografia que nenhuma ficou, mas, na pintura cinzelada daquele alforge de notas. Vou me embora pra Pasárgada e te levo comigo. Com certeza nos teus braços numa infinda volta daquela roda gigante. Olha-me de fundo tão distante que as distancias me chegam em remoinhos. Um copo de leite e um sanduíche de queijo e um beijo perdido. - Como está voce? Por onde esteve? - Onde andou? E as labaredas do inferno de Dante do outro lado espiralavam os olhos. Uma tremedeira da cabeça aos pés e a cerca de ripas fora construída já há um milhão de anos. Enquanto caem as floradas das pereiras e sucumbem os olhos diante das bocas de leão - é proibido sonhar! Sola de sapato de pneu para enfrentar a lamacenta rua Goiás e esconder que ainda haviam perfumes nunca cheirados, com voce guardado...




http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2913674

domingo, 3 de abril de 2011

ENTRELACES


(Memoriais de Sofia/Zocha)



Na rua Paraíba ao lado da Igreja Ortodoxa russa morava dona Irene, a batista e a filha Dagmar. O templo ao lado erguia-se com sua prateada cúpula no aconchego de um bosque de imensos cedros. A casa de madeira de dona Irene era impecável com seu assoalho espelhado, cheirando a cera de abelhas sob um caramanchão de ipês e floradas de pessegueiros pelo quintal onde vicejavam entrocados pés de couve. Que revoem as andorinhas sob os fios de alta tensão como a linha de Ariadne e o vento salpique as cumieiras, todos os dias a jovem Dag ia para o trabalho com seus pullovers impecáveis de lã que ela mesma tecia.Vencendo o barro das lamacentas ruas até o ponto de ôninus na Avenida Guaíra frente à outra basílica ortodoxa, no cimo da colina, lá ia Dag com sua blusa branca de crivos, bolsa de vime, um lenço esvoaçante ao pescoço. E, nas tardes quietas da Vila, quando adormeciam os mosquitinhos de Zocha e Leontcho se perfumava para ir ao baile na cidade polaca de Tomás Coelho, há alguns quilometros de Curitiba, Dag saia com sua bicicleta Monark bordeaux de rede entrelaçada nos pneus pelas planimetrias da aldeia. Conduzia-a pelo guidão elevado como a segurar os chifres da escultura do touro de Picasso. Como era indefinivel ve-la tecendo com suas agulhas ponteagudas ponto a ponto as malhas que usava, o fio esticava-se e desenrolava a teia das laçadas como os pontos do formigueiro do céu, o olhar multiplicava as letras dos peixes. A bíblia sobre a mesa de dona Irene, o tapete de trapos à porta, os chinelos de pano, um cheiro de café, enquanto dobravam os sinos da bizantina as paredes verdes do quarto insólito da casa da rua Goiás choravam, desfolhavam e amanheciam doendo...

quinta-feira, 31 de março de 2011

ESTA MANHÃ UM PÁSSARO



(para um pequenino pássaro verde e azul que morrendo hoje pela manhã após bater na vidraça/
mostrou a tristeza de uma janela fechada)



Esta manhã um pássaro filho do arco-íris bateu
na vidraça
da minha janela fechada
e morrendo caiu ao solo
Os sonhos como os pássaros
tem asas e voam
morrem quando encontram janelas fechadas e caem ao chão...
Janelas fechadas matam pássaros

sábado, 5 de março de 2011

DIE WALKÜREN/As Valkírias Um Rescaldo







(Memoriais de Sofia/Zocha)



Parece que nem toda fachada revela o rosto, palavras ressoam nas asas do tempo e a ave do tempo singra passagens, passaradas vias .. Aquela fachada antiga e alquebrada da casa bombardeada do Pilarzinho ocultava sob um rosto recortado de heras, entremeados veios sulcados de angústias. Era uma casa de sinistros porões e temerosas cumieiras. Havia nela muitas escadas ocultas sob as visíveis que se apresentavam ao mundo. E aquele rosto erigido no topo daquela colina ilhada talvez outrora fosse o único farol sob um mar de araucárias.O tempo que por ela agora passava com suas náufragas carnes ia moldando seus novos personagens e suas ressonâncias. Era um tempo de floradas de pereiras e palmeiras de butiás a contrapor-se à visceralidade do seu sorriso de angústia, mesmo assim ela contemplava o horizonte com seus janelões altos, qual crateras imensas por onde os olhos do tempo miravam destinos. Assim, separecia haver emergido de um rescaldo após um bombardeio , a velha casa ainda guardava na cumeira seu aconchego para o morcegos enquanto das escadarias gastas com seus beirais de lábios mordidos recendia o gosto de sal que escorria das lágrimas das paredes úmidas. Um rosto alquebrado de estórias que olhava com melancolia o horizonte e deixava-se florescer em ninhos pelos sulcos alquebrados. Ah, ali os pássaros realmente, faziam a confraria. Zocha sentada no beiral da porta da cozinha, com os pés no hall desgastado que dava para uma carcomida escada, aos fundos,escrevia algumas linhas . Sob o beiral descarnado da escadaria, avistava-se as paredes descamadas, de outra construção , escombros do que outrora parecia haver sido um grande abrigo para os serviços domésticos. As parasitas lambendo as paredes, a solidão dessas muralhas carcomidas , nelas o sol desenhava viscosas sombras como um trompe l’oeil que lembrava as antigas casas romanas. Mas o rosto desta vila era bárbaro e outrora denotava haver sido uma altiva mulher nórdica, ainda guardava os vincos da antiga beleza e os sinais dos sabres e armaduras empunhados nas paredes rasgadas, talvez resquicios de sua árvore secreta ao centro de suas ambiguidades... Zocha olhou em volta, Pesavam-lhe aos sonhos naquele caderno espiral em que escrevia, da pauta podia ouvir Die Walküren de Wagner, o corpo de sua casa pesava, um terrível peso naquele vazio preenchia a enorme sala vazia, onde só dormitavam singelas polronas de pés ponteaguados. O recital seria no dia seguinte ...


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sábado, 26 de fevereiro de 2011

DOS MEUS OSSOS




(Memoriais de Sofia/Zocha)

Hoje lembrei da venda do Rufino
dos queijos dependurados
dos salames enrolados
do cheiro de fumo e toicinho
das latas de banha e da gordura vegetal
Lembrei daquela mãe estrela guia
que irrompendo sobre as ventanias
fazia o próprio sabão
fazia e confeitava os bolos com as gemas
da verdade
não batia com ovos de traição
Lembrei da vara de pessegueiro
das floradas das pereiras da casa da rua Goiás
da áspide Soniazs com seus olhos doentes de paixão por inveja na rua barrenta pelo mesmo polaco
lembrei-me do jogo oculto do polaco traiçoeiro
Lembrei-me das tranças sem faianças
Mas havia uma cristaleira com compotas na sala humilde
guarnecida de móveis de pinho
lembrei-me dessas letras sem canção
lembrei-me dos meus ossos com certeza...