domingo, 3 de abril de 2011

ENTRELACES


(Memoriais de Sofia/Zocha)



Na rua Paraíba ao lado da Igreja Ortodoxa russa morava dona Irene, a batista e a filha Dagmar. O templo ao lado erguia-se com sua prateada cúpula no aconchego de um bosque de imensos cedros. A casa de madeira de dona Irene era impecável com seu assoalho espelhado, cheirando a cera de abelhas sob um caramanchão de ipês e floradas de pessegueiros pelo quintal onde vicejavam entrocados pés de couve. Que revoem as andorinhas sob os fios de alta tensão como a linha de Ariadne e o vento salpique as cumieiras, todos os dias a jovem Dag ia para o trabalho com seus pullovers impecáveis de lã que ela mesma tecia.Vencendo o barro das lamacentas ruas até o ponto de ôninus na Avenida Guaíra frente à outra basílica ortodoxa, no cimo da colina, lá ia Dag com sua blusa branca de crivos, bolsa de vime, um lenço esvoaçante ao pescoço. E, nas tardes quietas da Vila, quando adormeciam os mosquitinhos de Zocha e Leontcho se perfumava para ir ao baile na cidade polaca de Tomás Coelho, há alguns quilometros de Curitiba, Dag saia com sua bicicleta Monark bordeaux de rede entrelaçada nos pneus pelas planimetrias da aldeia. Conduzia-a pelo guidão elevado como a segurar os chifres da escultura do touro de Picasso. Como era indefinivel ve-la tecendo com suas agulhas ponteagudas ponto a ponto as malhas que usava, o fio esticava-se e desenrolava a teia das laçadas como os pontos do formigueiro do céu, o olhar multiplicava as letras dos peixes. A bíblia sobre a mesa de dona Irene, o tapete de trapos à porta, os chinelos de pano, um cheiro de café, enquanto dobravam os sinos da bizantina as paredes verdes do quarto insólito da casa da rua Goiás choravam, desfolhavam e amanheciam doendo...

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