quinta-feira, 28 de abril de 2011
ESSAS SÍLABAS
(Memoriais de Sofia/Zocha)
Vou subindo a rua lamacenta
oss pés afundando sem galochas
meus sapatos tem solado de pneu
No azul marinho da saia
o pano de fundo escuro do céu
Nas asas do tempo
a brancura do revoar das penas
Agora é sopro tênue de moçoila arrebentando
as primeiras gotas do menstruo do amanhecer
Combina com as tranças
elas cinzelam andanças
pela ladeira da Goiás
Bebemos eu dela ela de mim
esse verso não se escreverá mais
A mesma chuva das floradas dos tristes jasmins
dança pelos canteiros de mosquitinhos
Queimam-se palmas bentas
no oratório da cidade morta
No termômetro do tinteiro
ela sopra essas sílabas de dentes de leão
Araucárias guardam no cálice
esta bebida menina de mim
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/2935342
domingo, 17 de abril de 2011
LUMENS/fragmentos
(Memoriais de Sofia/Zocha)
Um vozeirio aturde os ouvidos. É hora do intervalo da próxima aula. Vejo-o numa redoma só minha. O tempo guardado, seus cabelos dourados, a calça jeans e o paletó de couro marrom, o olhar encravado nos meus. Guardo-te fora da fotografia que nenhuma ficou, mas, na pintura cinzelada daquele alforge de notas. Vou me embora pra Pasárgada e te levo comigo. Com certeza nos teus braços numa infinda volta daquela roda gigante. Olha-me de fundo tão distante que as distancias me chegam em remoinhos. Um copo de leite e um sanduíche de queijo e um beijo perdido. - Como está voce? Por onde esteve? - Onde andou? E as labaredas do inferno de Dante do outro lado espiralavam os olhos. Uma tremedeira da cabeça aos pés e a cerca de ripas fora construída já há um milhão de anos. Enquanto caem as floradas das pereiras e sucumbem os olhos diante das bocas de leão - é proibido sonhar! Sola de sapato de pneu para enfrentar a lamacenta rua Goiás e esconder que ainda haviam perfumes nunca cheirados, com voce guardado...
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2913674
domingo, 3 de abril de 2011
ENTRELACES
(Memoriais de Sofia/Zocha)
Na rua Paraíba ao lado da Igreja Ortodoxa russa morava dona Irene, a batista e a filha Dagmar. O templo ao lado erguia-se com sua prateada cúpula no aconchego de um bosque de imensos cedros. A casa de madeira de dona Irene era impecável com seu assoalho espelhado, cheirando a cera de abelhas sob um caramanchão de ipês e floradas de pessegueiros pelo quintal onde vicejavam entrocados pés de couve. Que revoem as andorinhas sob os fios de alta tensão como a linha de Ariadne e o vento salpique as cumieiras, todos os dias a jovem Dag ia para o trabalho com seus pullovers impecáveis de lã que ela mesma tecia.Vencendo o barro das lamacentas ruas até o ponto de ôninus na Avenida Guaíra frente à outra basílica ortodoxa, no cimo da colina, lá ia Dag com sua blusa branca de crivos, bolsa de vime, um lenço esvoaçante ao pescoço. E, nas tardes quietas da Vila, quando adormeciam os mosquitinhos de Zocha e Leontcho se perfumava para ir ao baile na cidade polaca de Tomás Coelho, há alguns quilometros de Curitiba, Dag saia com sua bicicleta Monark bordeaux de rede entrelaçada nos pneus pelas planimetrias da aldeia. Conduzia-a pelo guidão elevado como a segurar os chifres da escultura do touro de Picasso. Como era indefinivel ve-la tecendo com suas agulhas ponteagudas ponto a ponto as malhas que usava, o fio esticava-se e desenrolava a teia das laçadas como os pontos do formigueiro do céu, o olhar multiplicava as letras dos peixes. A bíblia sobre a mesa de dona Irene, o tapete de trapos à porta, os chinelos de pano, um cheiro de café, enquanto dobravam os sinos da bizantina as paredes verdes do quarto insólito da casa da rua Goiás choravam, desfolhavam e amanheciam doendo...
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