sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma mesa


pintura/Wladislau Slewinski



Memoriais de Sofia/Zocha



Era uma mesa de madeira com gaveta para talheres e fazia parte de um jogo de cozinha com quatro cadeiras, caixão para lenha e um guarda-comida azul. Seu tampo era de cerne de madeira virgem, cheirando à araucária viva. Era uma mesa que pensava, que nos olhava e que
ajoelhava-se para que nós fizéssemos a ceia em seu colo.Quando a mãe a lixava com pedra ficava com a pele mais alva ainda e sensível e talvez até chorasse sem que víssemos.Era o anteparo para o nosso encontro com as substancias de nós mesmos e os objetos que ali nos esperavam como nossa extensão.
No quadrado da cozinha, a roda daquela mesa girante nos girava e recolhia-nos como numa cerimônia em derredor de uma linha mítica e ancestral.
E nesta espiral uma geometria sem conceitos quando o trigo se esparramava sobre as taboas e
a mãe amassava a farinha com a vida, a morte e suas raízes.
O que pode se depositar sobre uma mesa? Para que serve uma mesa?
Uma mesa é um anteparo de ceia e de deserção
e pode ser um lugar e um tempo onde acontecem o encontro, a partilha e também a separação das substancias. As substâncias invisíveis que habitam as palavras das coisas e o espírito da fome.


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