sábado, 16 de outubro de 2010
A parteira
Memoriais de Sofia/Zocha
Lá vem ela, passos compassados, saia longa, franzida, batendo quase nos pés, tão distinta, uma refinada dama, parece emergir de uma tela de Seraut ou de Manet, era uma senhora de multiplas pétalas dona Margarida, aquela parteira alemã que assistiu ao nascimento de quase toda a população daquele bairro pobre da Vila Guaíra. Mora ao lado de nossa casa, na rua Goias, numa pequena morada de madeira, com janelas de duas folhas revestida de heras e cercada por um pequeno jardim de buganvílias e muitas margaridas.Uma casa silenciosa, um casa memorial, uma morada de memórias como ela, memória viva, tem uma farta coleção de revistas O cruzeiro, Fatos e Fotos, e uma estranha foto na parede desenha-lhe um perfil de uma dama como que saída dos quadros impressionistas, com sua beleza nórdica.O cabelo cor de neve guardava uma peruca sempre coberta por uma tênue rede, os olhos de safira azuis encravados entre as nervuras das rugas do rosto alvo, o sorriso miúdo, a voz rouca como a ecoar de profundo labirinto, do outro lado de sua morada habita o único filho ,Vírgilio, alemão casado com a bondosa e simpática Lourdes, uma pernambucana sempre com um sorriso de maracujá doce...
E como ela não tem televisão, toda a noite passa beirando a cerca de ripas para ir assistir a novela, ou os seriados bonanza, Laramy, na casa de Florami, a mulher estatua, esposa do funcionário Dirceu do Tribunal . Ela tem um sorriso lacônico e profundo e guarda mistérios com aquela bolsa preta e seus instrumentos. Pisa firme no chão, todos a conhecemé única, de olhar intenso e suave e passos compassados. A janela de nosso quarto na lateral da casa abre bem diante de uma das portas da cozinha de dona Margarida. Quando ela abre a porta a noite que dá frente para a nossa janela e joga a água de suas ablusões, de sua bacia esmaltada, parece chover no mundo, pois que guardarão de mistérios aquelas águas placentárias que ela rega o mundo com o segredo das intimidades da vida que tão bem conhece?
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